quarta-feira, junho 29, 2005

 
O feio na parede

Jo�o Spinelli
Sergio Fabris
colabora��o para a Folha

Para muita gente, uma obra de arte � uma obra bela. Quantas vezes voc� j� ouviu algu�m falar que achou um quadro "bonito" ou que certa exposi��o estava "linda"? Ao pensar assim, essas pessoas confundem o objeto de arte com uma mera pe�a complementar da decora��o de ambientes. Muitos artistas, no entanto, usaram como tema de suas obras modelos que n�o s�o exatamente o que se pode chamar de belo: s�o seres grotescos, pessoas mutiladas, cenas dram�ticas ou violentas. Em exposi��o encerrada neste m�s, o Centro Cultural Banco do Brasil mostrou algumas obras do artista mineiro Farnese de Andrade: havia cabe�as de bonecas, bonequinhos de beb�s amontoados e at� a pr�tese de uma perna. Essa exposi��o demonstrou um pouco da inquieta��o dos artistas que, ao longo dos anos, em busca de novas linguagens, se apropriaram de temas que geram desconforto e que, evidentemente, n�o s�o objetos de arte adequados para decorar uma sala de jantar. Esse tipo de produ��o art�stica, ao contr�rio do que possa parecer, n�o � uma caracter�stica da arte recente. Durante toda a hist�ria da arte existiram exemplos dessa inquieta��o: o holand�s Hieronymus Bosch (1450-1516), o alem�o Mathias Gr�newald (aproximadamente 1480-1528), o italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), o flamenco Pieter Brueghel (1525-1569), o espanhol Diego Vel�zquez (1599-1660), entre outros, trabalharam com padr�es de beleza pouco convencionais. Vel�zquez, por exemplo, durante a �poca em que trabalhava para Felipe 4�, al�m de retratar a infanta Margarida e a fam�lia real, como no famoso quadro "As Meninas" (1656), tamb�m ocupou-se em pintar temas nada convencionais, como buf�es e an�es, que o rei mantinha na corte para sua divers�o. Os retratos desses seres pat�ticos e deformados mostram que o olhar do artista n�o estava somente direcionado a modelos de beleza: ele se preocupava em romper as barreiras estabelecidas com a inten��o de criar novos paradigmas. Rotula��es e preconceitos estigmatizam obras e carreiras art�sticas. Autores considerados "malditos", que no passado n�o foram devidamente apreciados e que n�o conseguiram vender suas obras, hoje s�o mitificados por museus, galerias e colecionadores. Por isso, da pr�xima vez que voc� ouvir que um quadro n�o � bonito, tome cuidado. Pode ser que ele seja realmente muito bom.

Jo�o Spinelli , 56, � historiador, cr�tico de arte e professor da Escola de Comunica��o e Artes da USP (Universidade de S�o Paulo).
Sergio Fabris , 43, � artista pl�stico.

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