quinta-feira, agosto 18, 2005

 
CHOQUE TÉRMICO

Estudo indica que, por concentrar corredores de edifícios, avenida canaliza ventos e vira zona de baixa temperatura

Efeito "cânion urbano" esfria a Paulista
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

A sensação de alternância de frio e calor percebida por quem passa pela avenida Paulista, centro de São Paulo, tem nome, sobrenome e explicação. A via, que concentra corredores de edifícios que projetam grandes sombras e canalizam os ventos, é um dos "cânions urbanos" da cidade, que formam artificialmente uma zona com temperatura mais baixa.
Assim como as avenidas Brigadeiro Faria Lima (zona oeste), Giovanni Gronchi e Luís Carlos Berrini (ambas na zona sul), a Paulista é identificada por um estudo da Unesp (Universidade Estadual Paulista) por essa característica. "Mas, na Paulista, o fenômeno é mais incrível. Ela fica em uma região alta e tem prédios também muito grandes, ficando mais fria e com sombras maiores", disse a professora Magda Lombardo, coordenadora da pós-graduação em geografia da Unesp e responsável pelo levantamento.
Segundo ela, as temperaturas podem ser menores em até 3C nos cânions. "É um pequeno choque térmico", afirmou o biometeorologista Fábio Gonçalves, professor da USP (Universidade de São Paulo). De acordo com ele, a sensação só não é pior do que a de sair de uma sala com ar-condicionado para a rua, situação em que a diferença de temperatura pode chegar a 10C.
A Paulista, zona artificialmente fria, fica justamente dentro de uma das áreas quentes da cidade (veja quadro). "Com suas construções, ela ajudou a esquentar a região", disse Lombardo.
Para quem passa pela Paulista, a diferença entre o clima no cânion e fora dele é nítida. "Com a concentração de prédios, o sol demora a chegar. Como entro cedo no trabalho, vou fugindo das sombras, onde é mais gelado", diz o jornalista Erick Castelhero, 37, que mora em Guarulhos e sempre trabalhou na avenida.
A assistente comercial Patrícia Perretti, 35, considera a região onde mora, a Freguesia do Ó (zona norte), mais quente que a Paulista, onde trabalha. Perto de onde vive há muitas casas em vez de prédios. Sua colega, Luciene Ramos, 28, usava blusa de lã de gola alta ontem, às 15h, com o sol a pino. "Passo muito frio aqui", diz. Ontem, a máxima chegou a 30C na estação da Consolação, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências).

Contraponto climático
Os cânions são contrapontos das ilhas de calor, regiões que concentram as maiores temperaturas e piores umidades relativas do ar. Elas existem em razão da alta densidade populacional e do grande número de edifícios, aliados à pouca vegetação. Nesses pontos da cidade, que a professora Lombardo considera "doentes", as pessoas sofrem mais problemas respiratórios e alérgicos.
"Entre os diversos pontos da cidade pode haver diferença de até 10C. O mais quente, o domo da ilha, é o centro. E a região mais agradável e com maior qualidade ambiental e de vida é a serra da Cantareira", afirmou.
Outros bairros "saudáveis" são Morumbi, Jardins, Chácara Flora e Granja Julieta. "O Morumbi tem terrenos com 40% a 50% da área vegetada. Quando vimos a imagem de satélite do bairro, aparecem só as copas das árvores. Esse é o índice exigido em Berlim, uma das cidades que têm a legislação ambiental mais rigorosa."
Entre os que ela cita como locais problemáticos estão Cidade Tiradentes, Itaquera, Mooca e Brás. Eles têm pouca vegetação e são muito asfaltados. Segundo a pesquisadora, a saída, simples, é plantar mais árvores.
A Prefeitura de São Paulo lançou neste ano o programa de arborização urbana e plantou, até agora, 12 mil árvores -só 5,6% do total prometido pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente para 2005. O programa está suspenso atualmente em razão da seca e deve ser retomado na primavera.

Vento
Em São Paulo, a rua da Glória, na região central, é onde o vento faz a curva. Quem diz isso são os pedestres. "Já vi placas e banners voarem aqui. É horrível", diz o gerente Júlio César Pereira Lima.
Segundo Magda Lombardo, isso acontece em razão da geometria urbana e da diferença de pressão. "A rua "encana" os ventos, que são obrigados a passar por ali e ganham mais velocidade", diz o biometeorologista Gonçalves.

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