quarta-feira, outubro 19, 2005

 















A luz do meu trabalho

A Bolsa Residência Atelier Amarelo não prevê remuneração aos artistas, verba interna destinada à realização dos projetos selecionados, patrocínio e nem mesmo é garantida a realização de projetos que dependem de tramites burocráticos de instancias alheias ao atelier já que tais projetos foram aprovados pelo júri sem a prévia aprovação ou participação das instâncias cabíveis. Além do profícuo contato com os outros artistas, curadores e público a bolsa nos confere o título de uso precário do solo bem como o direito de utilizar água e energia elétrica necessárias para a plena realização dos projetos. Nesse sentido é objetivamente esse direito que configura o atelier uma bolsa residência.

Assim tenho o direito conferido á mim pelo edital e pelo termo de uso precário do solo de realizar minha instalação com luzes vermelhas em meu atelier bem como o direito de ter meu atelier inviolável por funcionários do atelier. Recuso-me a pagar a conta de energia como foi sugerido pelo Wladimir assim como me recuso a permitir que funcionários entrem em meu atelier sem minha prévia autorização a fim de interromper meu trabalho.

Ter luzes acesas não é desperdiço se elas tem um fim que justifiquem seu consumo. O uso de lâmpadas em um trabalho de arte justifica seu fim e, por conseguinte seu consumo de energia. Se um pintor usa água para lavar seus pincéis e seria um absurdo que lhe fosse vetado realizar grandes pinturas para que economizasse água também considero incoerente pedir que se apaguem as luzes para economizar energia se o trabalho é exatamente manter a luz acesa ininterruptamente. Se é da natureza do atelier a diversidade de meios e produção é coerente admitir e respeitar as necessidades individuais no que dizem respeito consumo de água, luz assim como a presença física de cada artista. Nesse sentido a adoção ou exigência de qualquer padrão de produto artístico, freqüência e média de consumo colocado indiscriminadamente a todos é incoerente já que nosso trabalho demanda um acompanhamento pessoal minucioso entre o artista e cada curador levando-se em conta a natureza de cada trabalho e da proposta de cada artista.

Dimensão física do suporte, quantidade, materialidade e gestualidade não podem ser confundidos com expressividade da mesma forma que presença física não significa comprometimento do artista com o atelier. Minha atuação no Atelier Amarelo se contrapõe a estas associações o que por sua vez enriquece a dinâmica e o debate no atelier.

Deixar luzes vermelhas acesas ininterruptamente é a o produto de uma reflexão crítica. Elas como elemento da minha instalação/intervenção tornam-se símbolo da constância de minha reflexão e do desenvolvimento do meu projeto; são signo do meu trabalho que não opera num tempo e espaço burocrático. Deixar as janelas abertas além de libertar o artista do atelier é abrir seu espaço para a cidade. É uma resposta ou prestação de contas por meio da arte à cidade a respeito do meu trabalho público e da minha ausência física no espaço público do atelier.

Meu atelier não é uma oficina de belas artes, pode até ser confundido com um prostíbulo aos olhos de algum transeunte atento, e antes o seja do que um atelier passivo ao público. É assim que ele funciona como atelier e espaço público, estando aberto e iluminado. Ele é antes uma estufa, uma sala, um escritório ou uma instalação/intervenção que discute o papel do atelier de arte contemporânea.

Fernando Piola

Comments:
Fernando,
Já tivemos pessoalmente essa discussão, mas acho que vale a pena registrá-la aqui no blog também. Respeito seu discurso, mas não concordo com ele. Creio que, como artistas, temos que estar atentos à realidade e saber lidar com as limitações impostas (pelos contextos sociais, político-econômicos e até ecológicos). Temos que aprender a transformá-las para dar conta de nossa expressão, de nossas idéias, passar adiante nosso recado, se possível, com clareza – o que pode significar um equilíbrio entre idéia proposta e materialidade empregada.
Creio que seu trabalho é muito maior do que uma lâmpada acesa por 24 horas – digo isso buscando uma crítica sincera e verdadeira (portanto cordial). Mesmo que a lâmpada apenas ilustre alguns conceitos ou idéias relacionadas ao seu projeto, que ela não represente a essência desse, considero-a uma atitude artística frágil, de pouca expressão, pois não dá conta de passar seu recado. Ou, se passa algum recado, chega de forma bem diferente a muita gente, perdendo clareza. E, em arte, a gente não pode escolher um público certo pra ver e "entender" nosso trabalho.
Gostaria ainda de propor pensarmos a idéia de ateliê não como espaço físico – mas como espaço mental em plena atividade, em ação. Concordo com a Yili, quando menciona que a produção do AA poderia ser maior (e não nos referimos à quantidade, mas à qualidade dessa produção, desses pensares, dessas ações que levantam o pelo, e os saltos que elas poderiam nos proporcionar no entendimento do mundo e de nós mesmos).
Queria mais uma vez manisfestar meu apoio à intervenção na praça e ao seu projeto, e que ele cresça com os debates levantados. Assim como cresçam as plantas vermelhas que vamos plantar no Largo General Osório, militar da guerra do Paraguai.
1 abraço sem riso amarelo
tomé
 
Fernando,

faço minhas as palavras do Tomé. Ainda aguardo que você escreva um texto para o debate que propus sobre a praça dentro do seu contexto humano atual. Creio que a luz vermelha marca algo...mais o quê? Para quem? Porque?
Questiono a intenção de se comunicar com a população da região - com quem frequenta a noite - atraves de um sinal luminoso quando nunca se tentou uma comunicação que levasse para entender essa praça, esse Deops, essa história dolorosa que não se pode esquecer.

Parace que há muito porque reclamar, pode ser, mas há muito que questionar e avaliar em todos nós, nas nossas ações e na forma como nos vinculamos com esse entorno. Ao final foi esse o ponto cruzial do edital do AA.

Um abraço,
Y
 
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